segunda-feira, novembro 08, 2004

O Herói desta semana e de outras tantas



Depois de deixar para trás uma fileira de negões de Camarões, Romário comemora o seu gol de biquinho, no canto do goleiro, na Copa dos EUA, 1994.

Esta semana, Romário pendura suas chuteiras da seleção brasileira. O faz em meio a um monte de críticas, comentários polêmicos e, até mesmo, um certo deboche de imprensa, torcedores, técnicos e outros jogadores.
Esse tipo de coisa me lembra aquela música do Chico Buarque. A "Geni e o Zepelin". Na canção, Geni é um tipo de puta, daquelas baratas, que por onde passa leva pedradas e bostadas na cara. Um dia, um homem fardado, dirigindo um zepelin prateado da goodyear, diz que vai mandar tudo pelos ares. A única salvação é que a prostituta da Geni se deite com ele, para apaziguá-lo de tanta raiva. De imediato, todos louvam e agradecem à salvadora da pátria por seu ato corajoso e redentor. Quando o aventureiro toma novamente a estrada, recomeça o escárnio. Definitivamente, divertido mesmo era tacar na meretriz o que estivesse mais à mão.
Não é diferente o que fazem com Romário hoje. Amargos calazans da vida o criticam pela falta de compustura, pela falta de profissionalismo. Ora, convenhamos... isso é obvio. Mas não é essa mesma displicência que faz com que o baixinho dê um toque na bola com a ponta da chuteira, com certo desdém, e saia para comemorar o gol com um sorriso moleque de quem pregou uma peça em alguém?
O mais criticado em Romário é exatamente o que fundamenta suas qualidades. Aquele jeitão marrento de quem faz as coisas parecerem fáceis. Mania de brasileiro, que ganha 240 real por mês e rí de tudo. Gente que faz a vida parecer uma novela global, menos óbvia e cretina. Romário é o herói sem caráter. Romário, tu trazes em tí as cores de todas as raças, suas malandragens boas e ruins. Roubaste o amuleto do gigante, com a mesma ciência que usaste para fazer tantos gols sobre goleiros e zagueiros, igualmente grandes. Que cessem as críticas a Romário e que seja reverenciado seu desleixo com ares de onipotência. Se nosso sorriso é banguela, pelo menos é de orelha a orelha. Romário, tu és o Macunaíma.
Romário construiu seu próprio milagre, saiu da miséria, ficou milionário jogando bola e nos levou a todos a reboque. Ele foi seu próprio santo, torto e desvirtuado, mas de graças incontestáveis. Se transformou na esperança de um povo que abriu mão de dar certo. Nos redimiu, como dizia o Nélson Rodrigues, do nosso complexo de vira-latas. Talvez tenha feito melhor ainda. Conseguiu latir mais alto, mesmo sendo um cão vagabundo. Romário, tu és o melhor amigo do homem, seja sua camisa do Vasco, Flamengo, Barcelona ou Seleção. Romário, para mim tu és um tipo de Santo.
Imagino como deve ser difícil aceitar que acabou-se o tempo das façanhas. Mas escuta, mulato: eu ainda tenho guardada na memória a curva da bola que correu do lado de fora do teu pé... como os zagueiros te perseguiram em fila, esticando o braço, querendo te agarrar pelo "onze" da camisa. E quando te colocastes à frente de todos eles, me deste uma carona para longe de frustrações ancestrais. Parece que foi ontém que paraste em frente ao goleiro, escolheste um canto e chutaste seco, no fundo das redes, todas as dúvidas que me aparecem frente às encruzilhadas. Me vingaste de muitos inimigos quando os deixastes de bunda no chão, resolutos de tua genialidade. E quando abriste os braços para comemorar, te abracei como um negro fujão a um Zumbi dos Palmares. Romário, tu és para mim um tipo de Mártir.
Romário merece um monumento na Avenida Presidente Vargas. Merece ser a própria avenida. Avenida Romário de Souza Faria. Muito mais justo que a homenagem ao ditador suicida. Merece até mais... merece ser um feriado nacional, logo após o Carnaval. É muito mais a cara do nosso povo. Romário merece, no mínimo, o nosso respeito e nossa gratidão. Obrigado, Romário.