terça-feira, outubro 12, 2004

Meu amigo gitano



Poucos de vocês sabem, mas eu tenho um amigo de origem cigana. Seu nome é Yerjo, que em siganês significa "menino de pés feios e mindinhos sem unha". Após atravessar os oceanos Índico e Atlântico em uma pequena carroça, a família do pequeno nômade achou por bem aportuguesar sua alcunha para Sergio.
Em sua segunda primavera, o pequeno nômade logo foi iniciado nas tradições de seu povo e ingressou na vida social. Batizado por uma tia, cumpriu o seu rito de passagem ao engolir um solitário em uma joalheria. A expulsão do diamante deu-se em meio à uma grande festa, embalada por cantos de buleria e tangos quaternários.
Aos três anos de idade, de comportamente humilde e inocente, o pequeno Yerjo ainda corria nu pelas ruas de Goias, grande reduto de famílias zorongas. Divertia os caxeiros viajantes lendo o destino nas cartas do Tarot e decifrando as misteriosas linhas escritoras do futuro nas palmas das mãos. Junto aos iguais de seu povo, a família Pecewaska acreditava que o centro do Brasil seria a escadaria até a Deusa Kali.
Os anos transformaram o garoto pardo em um pônei arredio e seu comportamento pueril feneceu frente os ímpetos da juventude. Desenvolveu rapidamente o tino comercial e herdou o hábito secular de vender tapetes. Em poucos anos, suas tapeçarias já se espalhavam ao derredor de vários logradouros da Região Centro-Oeste. A terra árida do Planalto Central já era pouco para sua sede de conquista.
A perspicácia do patriarca pecewaskaco abriu a cortina de novas searas. Novamente colocados na estrada, agora embarcados em um trailer luxuoso, a tradicional linhagem fincou as suas tendas em terras cariocas. Desde então os ramos da nobre família infiltraram-se nos mais diversos ramos da sociedade fluminense. Hoje encontramos representantes deste secular séquito em entidades do mais alto galardão, como a Maçonaria, a TFP, a ACM e o SPC.

Em idade adulta, mais uma vez, a Deusa Kali abençoou a vida deste viajor e colocou em seu caminho uma bela companheira, com mãos de ourives, prontas a lapidar o bruto diamante e dar-lhe ares menos abrutalhados. Esta representante do povo judaico não fugiu às responsabilidades impostas por Javé e desposou o nosso querido pagão, juntando definitavamente os povos mais antigos da face da terra. Um acontecimento único. Hoje, graças aos ensinamentos da jovem Danikovitz, nosso personagem parece ter freqüentado os mais refinados cursos de noivas da Socila e abandou as pulseiras e camisas espalhafatosas de gosto duvidoso.
Tenho muito orgulho deste meu amigo e sinto muito sua falta. Ultimamente não tenho contado com a companhia de tão querido casal. Visionário que é e desejoso de difundir a maravilhosa cultura de seu povo, este herói além-mar e além-séculos abriu uma filial de seu clã em terras de Tio Sam, onde pretende reestruturar a hierarquia de suas castas sociais. Vai, querido amigo! Extende os teus braços sobre todas as terras, porque o teu lar é o mundo e o teu tempo é para sempre!

Na foto, vemos o pequeno Yerjo oferecendo seus serviços de quiromancia e tarologia aos fotógrafos da National Geografic.